Concerto mortal

Márcio de Souza é um jovem de 27 anos que passou grande parte de sua vida estudando música, se destacando na guitarra por seus solos e composições com fortes influências no blues e no rock and roll. Ele trabalhava durante o dia como jornalista e às vezes dava aula. Um dia ele foi até um Pub da cidade de Belo Horizonte tentar marcar um show. Ao ver uma atendente da casa ele falou:

- Boa tarde! Meu nome é Marco de Souza, sou um músico profissional há cinco anos e gostaria de marcar um show aqui no Pub Reborn.

A atendente olhou para ele, sorriu e falou tranquilamente:

- Boa tarde, com vai? Meu nome é Adriana dos Santos e sou apenas uma atendente, não sou eu que marcou os shows, mas posso tentar te ajudar. Como chama a sua banda?

- Minha banda se chama The Drain Havoc Project. Tocamos algumas músicas nossas e covers de nossas bandas prediletas como Beatles, Led Zeppelin e Jimi Hendrix.

- Há! Rock and Roll! Aqui na casa tocam diversas bandas nesse estilo. Você teria algum CD para mostrar a sua música? Ouvi dizer que é assim que as bandas conseguem tocar aqui no pub.

Marcio olhou para ela e sorriu, parecia ser uma ótima oportunidade para ele mostrar sua música. A banda estava bem ensaiada e ele ainda poderia ganhar alguns trocados. O Pub era bastante conhecido e tinha um grande público. Adriana olhou para ele com um sorriso.

- Deixe o CD de sua banda comigo, tenho certeza de que se o som for bom você conseguirá tocar aqui. 

- Beleza, muito obrigado - ele falou - Meu telefone está na parte de trás da capa. Vocês podem entrar em contato comigo durante a tarde.  

- Pode deixar Márcio, vou falar com o Gordinho, rs, esse é o apelido dele, é o responsável por agendar os shows daqui da casa.

Márcio deixou o CD com ela e desceu pela avenida. Ele ia na casa de sua namorada Amanda. Já fazia uma semana que ele não a via. Ela morava na Savassi, região boêmia de Belo Horizonte. Ele queria contar a novidade para ela. Márcio subiu as escadas, Amanda morava no terceiro andar de um prédio antigo. Ao abrir a porta, a garota, de 22 anos, sorriu.

- Oi Márcio, como vai? Estava com saudades, que bom que você veio. Entra, tem algo que eu quero te mostrar.

- Oi Amanda, tudo bom? Estava querendo te ver a mais tempo, mas com meu trabalho tenho andado um pouco cansado.

Os dois entraram no apartamento e foram até os quartos do fundo. Amanda morava com sua amiga Fátima já a alguns anos, mas quase não se viam, já que ela trabalhava de dia e sua amiga à noite, em um restaurante, e quando retornava ela já estava dormindo.

- Cara, tenho que te mostrar uma coisa. Consegui comprar um disco do Jimi Hendrix na Galeria do Rock no centro da cidade que é uma raridade. Ele toca junto com o Jim Morrison, do The Doors. Você tem que ouvir.

- Caramba! Não sabia que os dois tinham tocado juntos. Vamos ouvir.

Amanda colocou o disco na vitrola e os dois se beijaram ouvindo uma jam inusitada entre os dois músicos famosos . Eles deitaram na cama e transaram durante um bom tempo. Até que Márcio virou para Amanda e falou do show.

- Deixei um CD da The Drain Havoc Project com uma atendente do Pub Reborn. Ela me falou que iria mostrar para um cara com o apelido de Gordinho, é ele quem agenda os shows na casa. Acho que temos chance.

- Gordinho? - perguntou ela - Acho que conheço, ele foi meu colega de sala quando estudei no Colégio Santa Marta, há muitos anos. Se quiser posso falar com ele.

- Opa! Claro que quero, dessa forma fica mais fácil da gente tocar.

- Sim, ele deve se lembrar de mim. Vou ligar para Rita, com certeza ela tem o número de celular do Gordinho. Ele era um cara engraçado!

No dia seguinte, Amanda ligou para o Gordinho, falou com ele da banda de seu namorado, The Drain Havoc Project e ele disse que ouvira o CD. O dono do Pub também ouviu e disse que curtiu a versão de Red House que a banda de Márcio fazia. Eles então marcaram um show para uma semana, na sexta feira.

Amanda ligou para Márcio e contou da novidade. Ele disse que poderiam tocar nesse dia. Ele ficou entusiasmado e falou para o baixista Felipe e o baterista Marco de sua banda. Eles iriam receber 500 reais pelo show. Não era muito, mas seria um bom começo. Junto com eles iria tocar uma outra banda cover de Legião Urbana. Seria uma boa festa. Pelo menos era o que Márcio pensava.

Uma semana se passou e Márcio ficou pensando no show que iria fazer. Tinha muito tempo que não tocava numa casa de nome em Belo Horizonte. A maioria de seus shows eram em botecos sujos em bairros mais afastados com no máximo 20 pessoas na platéia. o Pub Reborn tinha dias em que mais de 200 pessoas entravam para curtir as bandas que tocavam lá. Realmente era uma ótima oportunidade.

Márcio não sabia, mas muitos outros músicos da cidade o conheciam. Ele era realmente um ótimo guitarrista e compositor. Mesmo quando tocava para poucas pessoas, alguém da plateia sempre ia conversar com ele para o elogiar. Ele sabia disso, mas procurava ser humilde, até porque ele não tinha muito sucesso.

No dia do show, Márcio pegou o baixista Felipe em casa e começaram a falar sobre como seria a noite. 

- Acho que o Reborn vai encher hoje. Você viu como ficou o flyer? O nome da nossa banda ficou muito bacana - disse Felipe

- Cara, também acho, e aquela nossa música, Alegria! Ela ficou massa demais no ensaio! 

- Espero que tenha muita gente hoje. Pena que a grana é curta né não?

- Pode crer, mas como é o primeiro show, acho que se eles gostarem podemos tocar depois, cobrando um pouco mais.

- Pois é, é difícil tocar nesses lugares não? A Amanda me falou que o dono do Pub gostou muito do nosso som.

- Legal cara, agora corre aí pra gente chegar na hora. Não quero atrasar no primeiro show no Pub Reborn.

Os dois chegaram ao Pub Reborn às nove e meia da noite. Eles iriam começar a tocar à meia noite. Nessa hora o lugar já estava cheio. Deveria ter mais de cem pessoas. O baterista, Marco, chegou logo depois e apareceu com uma parte de seu equipamento, pedindo ajuda para seus colegas de banda carregarem as coisas.

Os três entraram no Pub Reborn com todo o seu equipamento. A atendente Adriana viu Márcio e sorriu. Ela já ia abraçá-lo, quando chegou Amanda e os dois ficaram um pouco sem graça. Ela beijou seu namorado.

- Márcio, olha como esse lugar está cheio! Essas pessoas todas vieram aqui só pra te ver.

- Parece que sim - disse ele -  Espero que o show seja bom. Ensaiamos bastante. Quero que você veja como ficou nossa música, Alegria!

Os três já iam entrando no Pub. Amanda reconheceu seu amigo Gordinho e apontou ele para Márcio. Ele estava conversando com um outro cara, que parecia ser o dono do lugar. Márcio meio que reconheceu ele, talvez o tivesse visto em outros shows de sua banda. O cara que parecia ser o dono d olhou para Márcio de uma maneira estranha, como se  ele também o reconhecesse.

Márcio perguntou a Adriana se o cara era o dono do pub e ela disse que sim. Ele então chamou Felipe e Marco para organizarem seus equipamentos no palco. Eles não iriam passar som, e por isso deveriam deixar tudo em ordem para evitar quaisquer problemas. De repente, o dono do pub chegou até Márcio.

- Cara, você não é o Márcio que tocava em uma banda de Beatles cover? Me lembro de você, acho que fui em um show seu. Meu nome é André.

- Sim sou eu. Beleza? Curti demais seu pub, espero que gostem do nosso show. 

- Pois é, acho que vai ser muito bom.

O dono do pub então deixou eles montarem seus equipamentos e foi conversar com o tal Gordinho. Márcio ficou olhando para os dois por um tempo e depois começou a montar seu equipamento, ele tinha trazido um amplificador de 90 Watts chamado Marshall, que era muito bom. Ele estava ansioso para tocar logo. O pub estava enchendo cada vez mais.

Faltavam 15 minutos para a meia noite. Márcio chamou Felipe e Marco para se reunirem e se prepararem para tocar. Eles estavam ansiosos, havia mais de 150 pessoas no Pub Reborn. Até que em um determinado momento, o tal do Gordinho apareceu para conversar com eles.

- Aqui, qual de vocês é o Márcio.

- Sou, beleza? Estamos nos preparando para tocar.

- Bom, é que temos um probleminha. Vocês não vão poder tocar esta noite.

- O quê? Como assim? - disse Márcio.

- É que o cara responsável pela mesa de som pegou um resfriado. Não queremos um show com problemas no áudio, entende?

- Ou, você que é o Gordinho? Seguinte, ensaiamos durante a semana toda, com isso não vamos tocar?

- Pois é, a casa vai ficar apenas com o som do DJ.

- Pelo menos vão pagar a gente?

- Não cara, vocês não vão tocar…

Márcio não sabia o que fazer, ele queria dar um soco na cara do tal Gordinho. Ele chamou seus amigos e levaram os equipamentos para o carro. Entraram no carro Márcio, Amanda, Marco e Felipe. Eles estavam tristes e decidiram comer um hambúrguer na Savassi. Cada um então foi para a sua casa. Depois de deixar Amanda em seu apartamento, Márcio passou em frente ao Pub Reborn. A banda cover de Legião Urbana estava tocando. Ele queria quebrar a cara do tal Gordinho.

O tempo foi passando e Márcio continuou a tocar em sua banda em pequenos bares, para dez, vinte pessoas, quando muito. Ele tentou marcar shows em outros pubs maiores em Belo Horizonte mas não conseguia nada. Ele conheceu alguns agentes de show e mesmo assim nada de ser chamado. Até que ele foi percebendo que eram sempre as mesmas bandas que tocavam nos pubs da cidade.

Um dia ele foi a um pub chamado The King. Uma banda estava tocando. De repente, ele percebeu que em uma mesa estavam sentados todos os donos dos pubs de rock and roll da cidade. Eram umas oito pessoas, mas ele as reconheceu. Ele chegou perto e viu que estavam com uma lista em suas mãos. A banda acabara de tocar e ele pôde ouvir que eles estavam decidindo quem iriam contratar para tocar em seus bares. As bandas eram as mesmas, de amigos deles. Até que em um momento o Gordinho que estava na mesa viu o Márcio. Ele se levantou e apontou o dedo para ele, perguntando o que ele estava fazendo ali. Eles chamaram os seguranças que levaram Márcio do lugar. Um dos caras que estava na mesa se levantou e disse que ele nunca iria tocar na cidade.

Márcio saiu desnorteado do pub The King. Ele era músico há mais de 15 anos, tocava todos os dias, ensaiava com sua banda, enfim, a música era a sua vida. Ele percebeu que aquelas pessoas o conheciam de alguns lugares, mas que nunca iriam dar uma chance a ele. O ódio foi subindo a garganta. Ele não entendia o porquê daquilo, afinal, ele era um bom músico. A grana que ele havia gastado, o tempo que havia perdido. Mesmo assim ele decidiu continuar com a sua banda.

Durante seis meses, Márcio tocou com Felipe e Marco. Até que um dia os dois falaram que queriam sair da banda que não estava dando mais certo. Márcio entendeu e decidiu que iria buscar outro músicos para fazerem um som com ele. Até que um dia, ele entrou em uma rede social e viu Felipe e Marco tocando no Pub Reborn com uma outra banda. Ele ficou irritado com a situação.

Márcio se sentiu traído, parecia que os dois haviam se vendido. Ele tentou em vão achar outros músicos na mesma rede social e alguns fakes zoaram com a cara dele. Qualquer postagem era logo criticada. Parecia que havia um complô contra ele. Aquilo foi acabando com Márcio, Ele sentia um enorme ódio por dentro. Ele tentava de tudo mas não conseguia ninguém para tocar com ele. Um dia ele se encontrou com um antigo conhecido bêbado em um boteco sujo do centro de Belo Horizonte.

Os dois conversaram bastante, até que seu amigo falou que participava de uma turma mas que era segredo. Era um tipo de gangue, até mesmo uma máfia. Márcio ficou interessado e fez algumas perguntas. Até que seu amigo falou que eles eram os donos dos pubs e que controlavam a cena musical de Belo Horizonte. Eles agiam em diversas frontes controlando também o comércio da cidade. Márcio então entendeu o que estava acontecendo, eles transformaram os músicos, roqueiros da cidade, em seus capangas.

Ele então percebeu que não adiantava nada tentar tocar nos lugares. Ele iria sempre receber um não. Mais uma vez o ódio tomou conta de Márcio, ele então passou a beber todos os dias e a cheirar cocaína. O tempo foi passando, anos aliás. Ele via os caras mostrando fotos de seus shows nas redes sociais, queria participar disso e sabia que não adiantava nada. Ele até tentou tocar com mais algumas pessoas, mas parecia que os donos dos estúdios estavam participando de um tipo de complô. Ele acabou ficando cada vez mais agressivo. Quando Mário passava nos bares ele cuspia no chão. Ele acabou terminando com Amanda, ficando de vez sozinho.

Até que um dia, Márcio decidiu ir até o morro do Papagaio, comprar um revólver 48. Custou barato, com sete balas. Ele esperou até a sexta feira quando havia uma banda tocando no Reborn. Ele conseguiu entrar sem que ninguém percebesse. No meio do show, Márcio chegou até perto do palco e deu um tiro em cada um dos integrantes. Do lado dele estava o tal do Gordinho. Ele apontou a arma para sua cabeça e disse:

- Bom show não?      

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