A prisão interna

O ano é 2123. O Brasil se transformou em uma grande potência mundial através do desenvolvimento de algumas tecnologias relacionadas à economia sustentável. Ele se tornou um país rico, mas com o passar do tempo transformou-se em um governo autoritário. As pessoas que cometiam alguns crimes graves, recebiam um colar que cortava suas conexões cerebrais, transformando-as em um tipo de zumbi. Elas então iam para reformatórios, que na verdade poderiam se chamar de prisão.

Esse colar fazia com que as pessoas deixassem de conviver em uma sociedade, elas não pensavam mais direito, perdiam diversas funções cerebrais. Era um castigo duro e o governo costumava pegar pessoas vulneráveis, que tinham cometido pequenos crimes e elas deixavam de ter uma consciência plena. De fato, com essa tecnologia, elas se transformavam em verdadeiros animais. Era um castigo duro e cruel, e os cidadãos tinham um grande medo.

Gastão de Andrade era um músico da cidade de Belo Horizonte bastante conhecido. Uma música sua havia tocado em uma novela de uma grande emissora de televisão no Brasil e acabou tendo um certo sucesso. Ele conseguiu sobreviver tocando em bares da região, mas não ganhava  muito dinheiro com isso. Durante o dia ele trabalhava em um jornal da cidade para conseguir alguns trocados.

Um dia, depois de um show num Pub chamado Reborn, Gastão recebeu os cumprimentos de um delegado bastante conhecido na cidade, chamado Josias de Amaral. Ele estava no lugar acompanhado de sua esposa, Antônia. O músico estava um pouco bêbado, havia tomado uma bebida especial chamada Reborn Flamejante. Os bartenders colocavam fogo nela e a pessoa tinha que beber tudo rapidamente para não ser queimada. Ele havia tomado cinco doses.

Gastão na hora que foi cumprimentar Josias, tropeçou e caiu em cima de sua esposa, a agarrando-a para não cair no chão. O delegado não gostou daquilo e empurrou o músico. Sem notar que o homem era um policial, ele se levantou e deu um soco em sua cara. Na mesma hora Josias pegou no seu braço e ligou para alguns de seus amigos da polícia. Eles pegaram o músico, e antes de o colocarem no camburão, puseram o colar em seu pescoço. Gastão virou um zumbi na mesma hora. Como já era tarde, poucas pessoas viram o que aconteceu.

Os policiais iam levar Gastão para a delegacia. Durante o percurso, em uma avenida importante de Belo Horizonte, que estava vazia por conta do horário, um pneu do camburão que estava em alta velocidade estourou. O veículo acabou batendo em uma árvore e capotando. Os dois policiais que estavam na frente acabaram desmaiando. Gastão então encontrou a porta aberta e saiu do camburão. Ele passou a noite inteira caminhando até que encontrou um lote abandonado em uma região de casas luxuosas da cidade e dormiu.

Gastão passou dias perambulando pela cidade, sem pensar direito. Ele havia mesmo se tornado um animal e acabou se juntando a alguns mendigos no centro da cidade dormindo no chão, junto a seus companheiros. Eles pareciam não notar que o músico estava debilitado, com aquele colar que cortava as conexões cerebrais. O tempo foi passando e o músico comia o que conseguia, através de doações e esmolas. Ele havia se tornado mais um mendigo da capital.

Um dia, Gastão estava em um lugar da cidade de Belo Horizonte, chamado Praça da Liberdade. Ele estava sentado em um banco, olhando para os passarinhos e cachorros que corriam como nunca pelo lugar. Algumas pessoas olhavam para ele achando aquilo muito estranho. Mesmo sujas, suas roupas eram novas, ele não se parecia em nada com um mendigo comum. Até que uma garota, chamada Adélia, estava passando em frente com um violão em sua mão reconheceu Gastão na mesma hora.

Adélia tentou conversar, mas viu que ele apenas balbuciava e sorria. Até que ela pegou o violão, ajeitou ele no braço de Gastão, pegou suas mãos e as colocou nas cordas. O músico, agora mendigo, não entendeu o que era aquilo, mas aquela garota pegou suas mãos e fez com que tocasse algumas notas. O som daquele instrumento fez com que ele se lembrasse de sua vida como músico. Com suas mãos trêmulas, passou a dedilhar o violão. À medida que as notas saíam, seus olhos se abriam. Parecia que algo estava acontecendo com ele.

A jovem viu o músico melhorando aos poucos e insistiu para que continuasse a tocar. Gradualmente seus braços e dedos foram se movendo. Parecia que as notas estavam agindo dentro de sua cabeça. A música passou de pequenos tropeços a várias notas, até que se transformou em uma pequena melodia, e depois em uma música da autoria do próprio Gastão. Em pouco tempo ele estava de volta, tocando as suas músicas ali na Praça da Liberdade, estava salvo. Adélia então viu que ele estava com aquele colar maldito.

Ela pegou uma tesoura em sua bolsa e tentou cortar o colar. Aos poucos Gastão ficou melhor, mas ainda não tinha se recuperado totalmente. A garota então puxou o seu braço e os dois foram até o seu apartamento, que ficava a dois quarteirões da praça. Em sua residência, Adélia pegou uma faca e tentou cortar o colar mas nada adiantava, parecia que ele era feito com um material muito resistente. Então ela teve a ideia de expor Gastão a três horas de música em seu apartamento. Aquilo fez com que seu cérebro retornasse e ele conseguiu ficar um pouco mais atento.

Adélia então teve a ideia de ir com Gastão até um tipo de asilo, onde o governo colocava as pessoas com colares para que vivessem ali sem nenhuma perspectiva. Ela poderia achar no lugar uma chave para abrir o colar do músico e realmente salvá-lo. Os dois entraram em seu carro e partiram para o lugar que ficava em uma região mais afastada da cidade. Ao chegar lá, Adélia deixou Gastão dentro do carro e entrou no lugar. Uma atendente perguntou o que ela fazia ali e ela disse que queria ver um amigo que estava internado naquele estranho local.

Ela conseguiu entrar e enquanto a atendente foi procurar um médico para atendê-la, Adélia se escondeu, procurando alguma chave para abrir o colar de Gastão. Ela viu que no pátio havia muitas pessoas andando como se não tivessem mais consciência. Ela então encontrou um quarto onde haviam muitas chaves. No entanto, uma médica estava lá, o que tornava impossível pegar as chaves. Adélia então passou pelos corredores e encontrou um outro quarto, com um rádio. Ela pegou seu aparelho celular, colocou uma música e conectou ao rádio. No pátio, todos os presos passaram a ouvir a música.

Aconteceu algo que ela não esperava. Os presos acordaram um pouco e começaram a gritar, correr pelo pátio e até mesmo a brigar uns com os outros. Logo todos os médicos do lugar foram tentar conter a confusão. A música tocava sem parar, em um alto volume. Adélia foi até o quarto onde estavam as chaves e pegou todas que encontrou. Enquanto os médicos tentavam conter a bagunça, ela saiu do lugar e entrou em seu carro, dirigindo rapidamente até encontrar um local um pouco mais seguro. 

Em pouco tempo eles estavam a salvo. Gastão perguntou o que eram aquelas chaves. Seu olhar mostrava que estava mais consciente, mas ainda assim precisava se recuperar totalmente. Adélia testou cerca de 10 chaves até que encontrou uma que abria aquele maldito colar. Em pouco tempo o músico estava livre, olhando sorridente para a garota, totalmente recuperado daquela prisão. Ele contou para Adélia sobre o acontecido, de sua briga com o delegado Josias, e como havia sido preso. Adélia conhecia alguns policiais do mesmo batalhão do delegado. Um deles, José, era seu amigo de infância. 

Ela e Gastão conversaram com ele para saber como Josias era em seu trabalho na polícia. O policial disse que ele era muito conhecido nas casas de jogatinas ilegais que ficavam no centro da cidade de Belo Horizonte. O jovem até informou a hora em que Josias ia lá para receber sua propina semanal. Adélia e Gastão foram para o lugar e fingiram ser clientes do estabelecimento. Eles viram o delegado Josias chegando e filmaram ele recebendo uma bolada de dinheiro do dono do lugar.

Como Gastão era um jornalista, ele conseguiu enviar o vídeo para uma emissora de televisão da cidade que mostrou o delegado recebendo o dinheiro. Ele foi preso em pouco tempo. Dava pra ver o que estava acontecendo e o dono do lugar acabou confirmando que ele ia lá todas as semanas para receber sua propina. 

Depois de duas semanas o delegado de polícia Josias estava no asilo, com o colar em seu pescoço no pátio, babando como nunca…    

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